Sexta-feira - 09/03/2012
A dieta de Luzio - Homem pré-histórico morava em beira de rio há 10 mil anos, mas quase não comia peixe

A dieta do habitante pré-histórico mais antigo encontrado em terras do estado de São Paulo reforça a ideia de que existiu no Vale do Ribeira, perto da divisa com o Paraná, um povo com uma cultura intermediária entre o modo de vida do litoral e o do planalto.

Luzio, apelido dado ao esqueleto humano de 10 mil anos de idade descoberto em 2000, vivia na bacia do rio Jacupiranga, distante algumas dezenas de quilômetros da costa, mas tinha uma cultura com certos elementos que o conectavam ao mar.

No sítio em que foi achado, havia centenas de pontas de flecha de pedra e adornos feitos com dentes de macaco, mas também uns poucos enfeites elaborados com dentes de tubarão e pontas de rabo de arraia.

Luzio tinha marcas de remador ou nadador em sua clavícula e fazia cemitérios em que os mortos eram cobertos por uma grossa camada de conchas – um tipo de vestígio arqueológico conhecido como sambaqui, característico das antigas populações do litoral e apenas eventualmente encontrado nas cercanias de rios brasileiros.

Apesar desses elementos que o ligavam ao mundo aquático, Luzio comia qual um morador do Brasil central, segundo estudo publicado em 14 de setembro na revista científica Plos One. Seu cardápio do dia a dia era composto de carne de caça, provavelmente de roedores, porcos-do-mato e veados, alguns tubérculos, frutas e – agora vem o dado interessante – quase nenhum peixe ou crustáceo, seja de origem marinha ou mesmo fluvial.

A reconstituição do repasto típico de velho morador do sambaqui de rio foi feita pela bioantropóloga Sabine Eggers, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), em parceria com três pesquisadores do exterior. A partir de amostras de uma proteína (colágeno) e de um mineral (apatita) extraídos de ossos de Luzio, a pesquisadora analisou a presença de diferentes formas, os chamados isótopos, de dois elementos químicos, o carbono e o nitrogênio. “Por essa abordagem, conseguimos inferir como foi a alimentação do Luzio nos últimos seis meses de vida”, diz Sabine, especialista em estudar a dieta e as doenças dos povos antigos. “Não dá para dizer que ele nunca comeu peixe, mas, com certeza, esse item não era frequente em seu cardápio.” Os testes com isótopos foram feitos em dois laboratórios distintos e ambos deram o mesmo resultado. 

De baixa estatura, com cerca de 1,60 metro, Luzio recebeu esse nome porque seus traços lembravam os de Luzia, o crânio humano mais antigo encontrado no Brasil, pertencente a uma jovem que viveu há 11 mil anos em Lagoa Santa, nos arredores de Belo Horizonte. Luzio e Luzia tinham, no jargão dos especialistas, traços negroides, semelhantes aos dos atuais aborígenes australianos e africanos. A maioria dos autores acredita que esse tipo físico não deixou descendentes no continente americano. As atuais tribos de ameríndios derivam de antigas populações de traços ditos mongoloides (com os olhos puxados), típicas da Ásia, que, segundo alguns modelos de ocupação das Américas, se estabeleceram aqui posteriormente.

Quando foi resgatado do sítio arqueológico de Capelinha I, no município de Cajati, durante escavações patrocinadas por um projeto temático da FAPESP, Luzio forneceu indícios de que podia ter uma dieta singular (ver reportagem de Pesquisa FAPESP na edição no 112, de junho de 2005). Para algúem que viveu há 10 milênios, seus dentes estavam bem conservados e exibiam somente um leve desgaste horizontal.

“Encontramos no Luzio apenas quatro microcáries”, conta Sabine. “Nos habitantes de sambaquis de mar é comum depararmos com arcadas dentárias mal preservadas.” Os povos pré-históricos que viveram na costa brasileira se alimentavam basicamente de peixes e moluscos. Ao ingerir cotidianamente esse cardápio, os dentes desses sambaquieiros entravam em contato com restos de areia e conchas, elementos que contribuíam para seu desgaste. 

Luzio apresentava dentes em bom estado. Era, portanto, esperado que tivesse uma dieta mais próxima da dos antigos habitantes de áreas de planalto, em que o consumo de carne de caça e plantas não castiga tanto os dentes. Mas não se suspeitava que os peixes fossem uma raridade em suas refeições.

“Chegamos a pensar que Luzio fosse um ceramista pescador-coletor”, comenta o arqueólogo Levy Figuti, do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP, coordenador dos trabalhos de escavação no Vale do Ribeira que redundaram na descoberta do crânio de 10 mil anos em Capelinha. “Mas hoje está ficando mais evidente que ele era provavelmente um caçador-coletor.”

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