Terça-feira - 12/06/2012
Equipe do NPA localiza ''TOCA DO AVELINO'' NA SERRA DOS DOIS IRMÃOS

Cavidade teria servido de abrigo para um escravo quilombola.

Descoberta - Uma equipe integrada por quatro membros do Núcleo de Pesquisas Arqueológicas do Alto Rio Grande (NPA) localizou no dia 09/06/2012 uma pequena cavidade natural subterrânea existente na Serra dos Dois Irmãos, em terreno da Fazenda Bahia, município de Andrelândia, Sul de Minas.  Com cerca de quatro metros quadrados de área, a cavidade está localizada a 1.056 m de altitude, coordenadas 21º 35’ 53.8” S; 044º, 23’, 00.3” W, às margens de um pequeno córrego, envolta por densa capoeira e “protegida” por uma quantidade inacreditável de pequenas larvas de carrapatos – os abomináveis micuins.  

Apesar de pequena, a “toca” está associada a uma curiosa história que há mais de um século acende a curiosidade e a imaginação das pessoas da região.  Ela teria servido, na segunda metade do século XIX, como esconderijo para um escravo de nome Avelino, fugido de uma fazenda da região de Juiz de Fora e que viveu na Serra dos Dois Irmãos por cerca de três anos, até que foi descoberto, preso e remetido de volta ao seu proprietário. 


Registros históricos - As principais informações históricas sobre o escravo Avelino são encontradas nos livros “Meus Dias” (Volta Redonda, Fundação Beatriz Gama, 1974. p. 147-149), de autoria do médico Dr. Amir Azevedo (1899-1980), e “Reminiscências” (1957), de seu irmão e também médico Dr. Álvaro de Azevedo (1887-1985). Amir, exímio contador de histórias, registrou:

Na Fazenda onde nasci, em Minas, município de Andrelândia, há uma serra denominada Dois Irmãos. São dois picos, muito bem comparados por Saint-Hilaire, que por ali passou, em 1819, a duas pirâmides. Ali, ao tempo da escravatura  em uma grota escabrosa, de difícil acesso, coberta por espessa mata virgem, homiziou-se, por três anos ou mais, um quilombola o Avelino fugindo dos maus tratos de um fazendeiro de Juiz de Fora. Ali viveu todo esse tempo, solitário, sem viv’alma com quem trocasse uma palavra, em tosco ranchinho, ouvindo apenas as vozes dos animais silvestres e o estrondo dos trovões que castigam, com frequência, aquela serra abrupta. Como alimento, contava com as aves apanhadas na arapuca, os tatus caçados à noite e o milho furtado nas roças mais próximas.

A água, tinha-a pura e cristalina, em nascente ao pé do ranchinho. O sal, tirava-o nos cochos das rezes, no retiro pouco distante (Retiro das Capoeiras)... A roupa com que se abrigava contra o frio intenso do inverno naquela serra, tecia-a, grotescamente, de embira, encontrada ali mesmo, na mata. De embira fez também um chapéu afunilado.

Nesse lugar julgava-se feliz, embora vivendo como animal selvagem, porque desfrutava da maior dádiva que Deus lhe poderia oferecer: a liberdade, apesar de ser uma liberdade restrita, que não lhe permitia mostrar-se aos seus semelhantes, mas preferível ao tronco, ao relho, ao trabalho forçado.

Mas, um dia, cometeu uma imprudência: sacrificou, para prover-se de carne seca, uma vaca de leite com bezerro novo (a vaca Cachoeira), de um retiro da Fazenda, deixando manchas de sangue pela trilha que dava acesso a sua grota. 

O fazendeiro, que era meu pai, prevendo tratar-se de quilombola ou quilombolas, porque era mais provável que fossem dois ou mais, seguiu, ele próprio, chefiando um grupo de pessoas destemidas, a trilha ensanguentada. A suspeita de serem dois ou mais negros era reforçada pelo abate e carneação da rês, tarefa difícil para uma só pessoa.



Com grande dificuldade alcançaram o fundo da grota. Lá estava a choupana e, ao seu lado, dormia um estranho ente humano, comparável a um homem pré-histórico, por sua barba e cabelos longos e incultos e pela maneira excêntrica de vestir-se.

Despertado, quis resistir, empunhando uma foice. Meu pai naturalmente não quis que usassem contra ele as armas de fogo. Aconselhou que atirassem uma pedra, o que foi feito. Atingido na cabeça caiu por terra, desmaiado. Preso, pediu, insistentemente a meu pai que não o mandasse a seu dono, que o conservasse para si, na Fazenda. Mas isso a lei não permitia. Como propriedade alheia, tinha de ser entregue a seu senhor; e o foi.

Álvaro de Azevedo conta a mesma história, com mais alguns detalhes:

Foi do Pio Carapina (Pio de Azevedo, pois que o escravo, quando se dava ao luxo de ter sobrenome, adotava o do Senhor) que ouvi a primeira referência ao Quilombola, ou melhor, ao Canhambola, como diziam todos de quantos ouvi, repetido, esse episódio do tempo do cativeiro. A palavra canhambola, corruptela de quilombola, tinha, ali, a significação de um nome próprio e designava um preto escravo que vivera foragido, acoitado na vertente ocidental da Serra dos Dois Irmãos, onde esta se cobre de extensa vegetação, cortada pelo Aiuruoca. Aí viveu cerca de três anos, a contar pelas colheitas de cereais a que disse ter assistido, e aí talvez vivesse o resto da vida, se não cometesse a imprudência de matar com sua foice ou faca, suas únicas armas, uma vaca leiteira que se prendera numa cerca de arame farpado. Matou-a e carneou-a, julgando o espaço de uma noite suficiente para transportar o animal sacrificado e apagar os vestígios do “crime”.

Meu pai, à frente de um grupo de escravos, deu uma batida na mata. Guiando-se pelo vestígio do sangue que a carne transportada deixara nas folhas dos arbustos, deparou-se-lhe, logo, humilde choça, cujo habitante dormia a sesta. Despertado, aprumou-se empunhando uma foice, esboçando atitude defensiva. Uma certeira pedrada na testa, entretanto, pô-lo por terra. Preso, seguiu para a Sede, onde foi objeto de natural curiosidade. Era, com efeito, uma figura exótica. Vestia uma espécie de túnica, tecida de embira, que mal lhe cobria o corpo emagrecido por três anos de subnutrição. Trazia na cabeça um gorro afunilado, como o dos palhaços, também de embira, por cujas malhas saíam mechas da gafurinha imensa. Interrogado, disse chamar-se Avelino, ser baiano de nascimento e pertencer a uma fazenda de Juiz de Fora, para aonde foi levado pelas autoridades de Turvo. Meses depois veio a “Abolição”.

O pobre negro vivia da caça. Das roças de milho só tirava o necessário para cevar as juritis que lhe caíam nas arapucas, menos incertas do que os tatus, de mais difícil caçada. Menos incerta ainda lhe seria a pesca, tendo o Aiuruoca ali tão perto, mas a falta de anzol impunha-lhe o suplício de Tântalo. O sal, tirava-o dos cochos, onde era deixado para o gado bovino. Sua maior preocupação era evitar que se apagasse o fogo que lhe assava a caça e o aquecia nas noites de inverno. Compreende-se que dele devia cuidar com o mesmo zelo com que as Vestais cuidavam do fogo sagrado. Pesava-lhe o isolamento. Comprazia-se em observar, de local onde não fosse visto, a turma de escravos que trabalhavam no eito, ouvindo-lhes as vozes e as cantigas. A garganta rodeada de escarpas, onde se abrigou, conserva, na Fazenda da Bahia, o seu nome: “A Grota do Avelino”.

Importância – Atualmente, a pequena caverna é úmida e não serviria como abrigo.  Uma árvore que cresceu poucos metros acima aparentemente desviou uma fração da água do córrego vizinho para o interior da cavidade, dificultando a preservação de eventuais vestígios. Mas, apesar de não existirem no local evidências que comprovem que o pobre homem tenha de fato se abrigado ali, a Grota do Avelino é um símbolo da resistência pacífica à escravidão em nosso país.

Participantes da expedição: Carlos Eduardo de Souza Miranda, Gilberto Pires de Azevedo, Guilherme de Paula Salgado, Marcos Paulo de Souza Miranda.


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