Quarta-feira - 04/03/2015
Canoa encontrada no Rio Grande, em Andrelândia, traz revelações inéditas sobre embarcações pré-históricas
Construída 70 anos antes da chegada dos primeiros habitantes no Sul de Minas, árvore que foi utilizada pelos indígenas para fabricar a canoa está hoje em extinção
Achados incríveis - Em 1999, no Rio Aiuruoca, na divisa entre Andrelândia e São Vicente de Minas, ocorreu um achado espetacular: duas canoas com aparência muito antiga, submersas no rio, foram localizadas e retiradas. A menor delas foi logo transformada em um cocho para gado por um fazendeiro local e perdida; a outra, com 10,5 metros de comprimento, felizmente foi salva graças à iniciativa de pessoas esclarecidas e encontra-se atualmente sob a responsabilidade da Prefeitura Municipal de São Vicente.
Em 2009 o Núcleo de Pesquisas Arqueológicas do Alto Rio Grande - NPA - que atua na área desde 1986, conseguiu viabilizar a datação por radiocarbono dessa canoa. O resultado indica que ela foi construída por volta de 1660, cerca de duas décadas antes do contato entre brancos e índios na região. É bastante provável que a segunda canoa fosse da mesma época.
Em outubro de 2014, outro achado incrível na mesma região: uma canoa com 9,1 metros de comprimento foi localizada no Rio Grande, na divisa entre Andrelândia e Santana do Garambéu, quando o nível da água estava excepcionalmente baixo devido à grande seca de 2014. Encontrada inicialmente pelo garoto Douglas Fonseca, de 09 anos, o objeto, que corria risco, foi resgatado do rio por membros e colaboradores do NPA e transferido para o Parque Arqueológico da Serra de Santo Antônio.
Achados do tipo são muito raros no Sudeste e sua importância histórica é enorme. O fato de terem sido encontradas 3 canoas do século XVII na mesma região sugere que os rios de lá devem estar guardando novas surpresas. E, se há algum benefício que possa ser extraído do nível baixo dos rios nos últimos meses, é a maior facilidade de realizar este tipo de achado.
Produção indígena - Em janeiro deste ano o NPA providenciou o envio de uma amostra da madeira da canoa para o Laboratório Beta Analytics, situado em Miami, nos EUA, e o resultado da datação por radiocarbono indica que a embarcação foi construída por volta de 1610, ou seja, cerca de 70 anos antes da chegada das primeiras bandeiras paulistas na região.
A datação confirma que a canoa tem procedência indígena, fato que já havia sido aventado pelos membros do NPA, pois a peça, escavada em um único tronco de madeira, não tem sinais aparentes de utilização de ferramentas modernas como serras ou formões e apresenta marcas de utilização de fogo para a sua confecção, o que se sabe que era uma antiga técnica dos índios.
Madeira em extinção – Outra descoberta importante foi feita neste mês de março. Após um pequeno fragmento da canoa ter sido analisado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo, os estudos científicos indicaram que o objeto foi confeccionado em um tronco de Araucaria angustifOlia, conhecida popularmente como Pinheiro do Paraná. A informação confirma que os povos pré-históricos da região possuíam um contato muito grande com a árvore, pois em escavações realizadas pela UFMG no sítio da Toca do Índio, na Serra de Santo Antônio, na década de 1980, foram encontradas sementes de pinhão, que possivelmente eram consumidas como alimento pelos antigos habitantes. Os vestígios mais antigos encontrados no sítio têm 3.500 anos.
A partir do século XVIII, a araucária passou a sofrer um processo acelerado de destruição, sobretudo para o uso da madeira em construções civis. Hoje seu território está reduzido a uma fração mínima, o que segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) coloca a araucária em Perigo Crítico de Extinção.
No Parque Arqueológico da Serra de Santo Antônio o NPA já plantou mais de duas mil mudas da espécie para contribuir com a tentativa de reversão do triste quadro.
Desafios - Arqueólogos e restauradores da Universidade Federal de Minas Gerais e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional já foram contatados pelo NPA para dar continuidade aos estudos sobre a embarcação e definir a melhor forma de sua conservação.
O NPA está buscando recursos para construir instalações especiais para a preservação e exibição da canoa no Parque Arqueológico da Serra de Santo Antônio. Até o momento todos os gastos com resgate, transporte, proteção e exames laboratoriais da canoa foram custeados por membros e colaboradores do NPA.