Quarta-feira - 27/06/2012
Cidade mineira encontra dificuldades para conservar patrimônio arqueológico e natural ao mesmo tempo em que incentiva o turismo em áreas de floresta
Carrancas, no Sul de Minas Gerais, tem menos de cinco mil habitantes. A “Cidade das Cachoeiras” atrai visitantes de várias regiões do estado por conta de suas belezas naturais. Ultimamente, o município vem investindo em infraestrutura de turismo para alimentar a economia ao mesmo tempo em que conserva a paisagem rural, mas os esforços ainda não foram suficientes para interromper a ação destrutiva do homem. Desde dezembro passado, o Ministério Público do estado investiga uma série de irregularidades na região, como a contaminação de alguns rios, o desmatamento de parte da floresta (incluindo várzeas e encostas) e a depredação de um sítio arqueológico que abriga pinturas feitas por grupos paleoíndios há até 8 mil anos.
Situado no Complexo da Zilda, o sítio conserva traços da chamada “tradição geométrica” de arte rupestre. O historiador Cristiano Lima Sales, mestrando em História pela Universidade Federal de São João Del Rei e integrante de um grupo de pesquisa sobre o tema, relata que as inscrições pertencem a um tipo de grafismo pouco estudado na Academia, que existe em algumas cidades do Sul de Minas e que pode levar a repensar as atuais teorias sobre a movimentação de grupos de índios pelo estado [como já indicou a reportagem ‘Caminhos do ouro e da pré-história’].
“Este tipo de traço está presente em Carrancas, Andrelândia e São Thomé das Letras. A simples existência dessas 'áreas geométricas' afastadas geograficamente com uma "região figurativa" intermediária [presente no centro de MInas] nos leva a repensar as teorias sobre trânsito (físico e de símbolos) entre populações pré-coloniais e também a rever as classificações dos conjuntos rupestres, que nos parecem, agora, ser muito mais complexos e difíceis de identificar precisamente”. Ele explica que a pintura rupestre geométrica aparece tanto ao Sul do estado quanto ao Norte. Em sítios arqueológicos encontrados na região central de Minas observa-se a presença de outro tipo de desenho: o figurativo. Essa pluralidade de traços intercalados vem intrigando estudiosos do assunto.
Faca de dois gumes
Conservar a área é conservar o nosso passado e o turismo é um dos caminhos para que isso ocorra. Mas, como alerta o promotor de justiça Wesley Leite Vaz, a atividade é uma faca de dois gumes. “Por um lado é bom, cria nas pessoas da região uma cultura de que o patrimônio tem que ser mantido sob pena de perder o ganha pão. Mas o turismo desregulado fomenta a destruição”. Na última vistoria realizada por ele, algumas pedras com pinturas rupestres estavam pichadas e a vegetação ao redor, poluída.
Por meio de um acordo, a prefeitura se comprometeu a proteger os bens do Complexo e também a revisar o processo de tombamento do patrimônio arqueológico. Lígia Moreira, Secretária de Turismo e Cultura da cidade, diz que a região já foi cercada para evitar a entrada de vândalos e placas explicativas sobre a importância histórica dos paredões estão sendo providenciadas. “O que falta é um estudo arqueológico mais aprofundado sobre o sítio. Uma arqueóloga vai fazer um laudo e aí vamos saber com mais detalhes quais as medidas vamos tomar daqui pra frente”. Ela diz ainda que lixeiras serão implantadas no local até o fim do mês.
Wesley Vaz diz que não está tão preocupado com a conservação do paredão - acredita que as medidas necessárias serão tomadas rapidamente, por se tratar de um bem histórico que é alvo de pesquisa universitária e espaço de interesse público. Em breve, outra vistoria será realizada. O problema maior está nas imediações. Na serra de Carrancas, empresas mineradoras de outras partes do estado estão fazendo extração ilegal de minério de zinco e desmatando a floresta, além de contaminarem os rios. “São grupos pequenos, que já devastaram outras pequenas cidades, como São Thomé das Letras, e estão aproveitando alvarás de pesquisa geológica para fazer a extração ilegal de minério”.
Ele conta que o Ministério Público vem encontrando dificuldades para conter a ação, já que ela é descentralizada e ocorre no meio da floresta. “Estamos em cima, fazendo vistorias e apurando as denúncias”. Mas o caminho é longo e precisa de apoio da sociedade civil para ser eficaz.
Fonte: Alice Melo